sexta-feira, 25 de novembro de 2016

Se entrega Corisco



Ocupações. Reinventar a política

Eduardo Rabenhorst

Giorgio Agamben observou que estamos tão diretamente implicados naquilo que nos é coetâneo que acabamos por não conseguir compreendê-lo em sua inteireza. É que assim como no célebre conto da Carta roubada de Edgard Allan Poe, muita proximidade tende a tornar as coisas opacas. Por isso, escreve Agamben, todos os tempos são obscuros para quem deles experimenta a contemporaneidade.

Apesar do risco da cercania excessiva que nos cega, há urgência em se pensar o contemporâneo. Aliás, o contemporâneo é a própria urgência. Urgência de refletir e de agir diante da instabilidade crescente das condições de vida. Urgência em recuperar a confiança, urgência para avançar.

Moro/Globo: o cavalo de Tróia da Casa Grande

"A pior ditadura é a do Judiciário!"

A conexão Lava Jato/Meios de comunicação: um novo cenário de luta de classes

1. A luta de classes no processo político brasileiro apresenta características inéditas na história do capitalismo. Como sempre, e mais ainda nas sociedades neoliberais contemporâneas, as classes hegemônicas – as elites de poder econômico e político – dominam o Poder Legislativo, integrado por maiorias de parlamentares conservadores; igualmente, a maioria dos membros do Poder Judiciário (Juízes, Desembargadores e Ministros) são provenientes das classes sociais médias e altas da sociedade (como indicam todas as pesquisas empíricas realizadas) e, em correspondência com sua origem social, ostentam posições ideológicas conservadoras.

quarta-feira, 16 de novembro de 2016

União Europeia sugere estímulo de 50 bilhões de euros e põe fim à austeridade fiscal

Bloco quer uma injeção de liquidez que impulsione a medíocre recuperação da economia europeia 

Por Claudi Pérez

"Não sou fanático por austeridade”, disse Jean-Claude Juncker, o presidente da Comissão Europeia, na terça-feira. Nesta quarta, o Poder Executivo da União Europeia consumará uma guinada da sua política econômica que já foi adiada inúmeras vezes. Depois da austeridade receitada entre 2010 e 2013 (uma máquina perfeita de contração econômica nesses anos) e da política fiscal neutra desde 2014, a Comissão recomenda agora um estímulo de 0,5% do PIB da zona do euro, o que significa um pouco mais de 50 bilhões de euros (184,2 bilhões de reais), para impulsionar a medíocre recuperação continental. Bruxelas pede reformas que atraiam investimentos e levem a desonerações tributárias. Reivindica que os países com maior margem – Alemanha e Holanda à frente – gastem mais, e recomenda cautela a Espanha, França e Itália, as nações com maiores déficits e dívidas.

sexta-feira, 11 de novembro de 2016

O que a vitória de Donald Trump pode ensinar à esquerda global

Rosana Pinheiro Machado

Após as eleições municipais, velhos clichês voltaram à tona, como o que o povo brasileiro não sabe votar porque é ignorante e manipulado. A coisa fica mais complexa quando vemos que essa fórmula, em tese, não se aplicaria para o eleitorado do país mais rico do mundo que votou em Donald Trump, nem para a classe trabalhadora britânica, que virou pró-Brexit.

sábado, 5 de novembro de 2016

Levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima

Antonio Carlos Granado; Antonio Lassance; Jefferson Goulart; José Machado; Ronaldo Coutinho Garcia

Precisamos falar sobre o PT

O partido que enfrentou a ditadura, que contribuiu para a redemocratização do país, que batalhou incansavelmente pela consagração de inúmeros direitos sociais, que garantiu a mais drástica e acelerada redução da desigualdade já vista em nossa história, esse partido está na lona. Caiu, em parte, pela perseguição implacável a que foi submetido, em função de golpes desferidos contra muitas de suas lideranças mais destacadas, contra sua organização e contra sua militância. Mas despencou, em grande medida, pelo peso de muitos de seus erros, por ter baixado a guarda em alguns dos atributos que faziam parte de sua própria identidade e da lógica de sua diferença.

‘Estudantes querem política na escola e estão dizendo isso claramente’, diz professora

Paula Miraglia

Docente do Departamento de Ciências Humanas e Educação da UFSCar, Maria Carla Corrochano fala ao ‘Nexo’ sobre o novo protagonismo do movimento de ocupação de colégios

O movimento de ocupação das escolas não pode ser mais caracterizado como um conjunto de manifestações isoladas. Nas semanas recentes o número de escolas ocupadas vem crescendo em todo país. Nos últimos dias, universidades passaram a ser palco do mesmo tipo de manifestação, como é o caso da Universidade Federal de Goiás e da Universidade de Brasília.

sexta-feira, 4 de novembro de 2016

A antirreforma do ensino médio

Governo ignora secundaristas e professores ao impor ampla reforma curricular no Ensino Médio por meio de Medida Provisória
por Cléo Manhas e Márcia Aciol

O ministro da Educação, Mendonça Filho (DEM-PE), integrante de um governo não legitimado pelo voto popular, anunciou uma ampla reforma no Ensino Médio por meio de uma Medida Provisória. Isso significa que ela entrará em vigor no dia de sua publicação no Diário Oficial da União, isto é 22 de setembro, sem diálogo ou reflexão com a sociedade. 
Tal anúncio provoca mais perplexidade em uma sociedade profundamente abalada por inúmeras ameaças e sequestros de direitos,que evidenciam aumento de privilégios para poucos, aprofundando as desigualdades sociais no País.
Toda política de educação ao mesmo tempo reflete e contribui para um projeto de sociedade. Cabe-nos perguntar qual é o projeto de sociedade que se fundamenta em decisões unilaterais apressadas, sem amplo debate, especialmente sem a participação dos mais interessados: os próprios estudantes e a comunidade escolar?
As várias reportagens que noticiam mais essa medida intempestiva do governo de Michel Temer são sempre comentadas por um único movimento, que referenda a iniciativa e deixa a impressão de que a sociedade, ou ao menos os especialistas, foram ouvidos.
Dia desses, uma grande empresa de comunicação fez uma reportagem talhada para esvaziar o debate e dar como evidente a necessidade de uma reforma nos moldes da que foi anunciada hoje.
Adolescentes de uma favela de Brasília foram questionados sobre o motivo de não estarem na escola, e os dois meninos dizem apenas “porque não”, e a menina diz que saiu porque engravidou.
A conclusão, segundo a reportagem: há vários (assim mesmo, genericamente) motivos para o abandono escolar, e os dos entrevistados foi “falta de estímulo”. Mas que motivos são esses? Falta de estímulo porque a escola é desinteressante?
Por que não aproveitam o assunto para problematizar questões importantes que provocam muitos abandonos da escola, como o racismo, a homofobia, o sexismo, a dificuldade de letramento, e as desigualdades de todas as ordens.
As organizações da sociedade civil estão há muito tempo voltadas para a educação, promovendo inúmeros diálogos com movimentos sociais, educadores e estudantes sobre o Ensino Médio e as questões que permeiam esse debate. Há uma certa unanimidade quanto à necessidade de mudanças.
Os estudantes promoveram dezenas de ocupações de escolas pelo país, principalmente São Paulo, Ceará e Goiás, apresentando pautas e propostas para o Ensino Médio e sobre a relação dos governos com as escolas públicas. Essas reflexões têm se acumulado e já se tem muitos elementos que apontam caminhos.
Uma das principais reivindicações de adolescentes e jovens estudantes de escolas públicas é a participação direta nas possíveis mudanças na educação. Eles sabem a educação que querem e, especialmente, a que não querem.
O Inesc, em parceria com a Unicef, desenvolve um projeto em escolas públicas em Brasília desde 2014, e em municípios da Chapada Diamantina (BA) e Belém (PA) desde 2016.
O projeto Educação de Qualidade tem como principal objetivo ouvir o que os estudantes têm a dizer sobre o ensino médio e qual escola desejam. Os diálogos têm sido muito enriquecedores e o acúmulo de ideias e propostas é enorme. Mas o que adianta tudo isso se vem um governo ilegítimo, sob aplausos de uns poucos, e muda tudo por meio de medida provisória, de cima para baixo?
Podemos dizer que nos últimos anos tivemos avanços interessantes, de forma geral, na educação. O Ensino Fundamental foi praticamente universalizado, houve uma significativa ampliação das vagas para o Ensino Superior e o acesso às universidades foi democratizado com a importante ação afirmativa das cotas raciais.
No entanto, o Plano Nacional de Educação (PNE) aprovado em 2014 praticamente não saiu do papel, e não há luz no fim desse túnel. Pelo contrario: a Proposta de Emenda Constitucional 241, em tramitação no Congresso Nacional, propõe um draconiano corte de recursos a curto prazo, e um enorme prejuízo a médio prazo, para o financiamento de políticas sociais, principalmente as de educação – essa mesmo que o governo Temer alega estar querendo ‘salvar’ com essa medida provisória de reforma do ensino médio.
O mais chocante disso tudo é a informação, registrada pela imprensa, de que a área de educação do governo ilegítimo vem evitando “vazar” informações sobre a proposta de reforma do Ensino Médio para não esvaziar o ato de seu lançamento.
Ou seja: é tudo para a plateia, não há real interesse genuíno em melhorar a qualidade da educação, muito menos do Ensino Médio, até porque não há política de ampliação do Superior para receber um maior número de estudantes. Aliás, ocorre justamente o contrario, um desmonte de políticas que vinham mudando a cara das universidades, em especial as públicas.
Ironicamente, no discurso de apresentação da proposta de reforma do ensino médio, o ministro da Educação falou que o novo Ensino Médio tem como pressuposto principal a autonomia do jovem. É muito comum o jovem colocar que aquela escola não é a escola que dialoga com ele”.
Pois é ministro, a escola não dialoga com estudante, e o ministério que propõe mudanças também não. Ao contrário, impõe uma proposta por medida provisória. 
Pelo jeito, o que importa mesmo para o governo ilegítimo e seu ministro da Educação que tem como um de seus interlocutores centrais o pessoal do equivocado (para dizer o mínimo) movimento “escola sem partido” – é valorizar apenas o ensino técnico para quem estuda em escola pública, para termos mão de obra pronta e barata para atender os anseios do mercado. E assim afastam os jovens das periferias das universidades. Para esses, empregos técnicos, de nível médio, são mais do que suficientes para garantir suas sobrevivências.
* Cléo Manhas e Márcia Acioli são assessoras políticas do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc)
FONTE: http://www.cartacapital.com.br/revista/923/antirreforma-do-ensino-medio

As reformas do ensino médio: considerações históricas, educacionais e políticas

Por Wallace Melo*
INTRODUÇÃO
Diante de tantas críticas e discussões estabelecidas em virtude da proposta de reforma para o ensino médio, apresentada pelo presidente da República, Michel Temer e seu ministro da educação, Mendonça Filho, o tema novamente se tornou objeto de discussão e críticas, demonstrando assim o quanto a ideia sobre a questão do ensino médio brasileiro ainda não foi compreendida por muitos, principalmente do que se trata sobre os objetivos desta última etapa da educação básica.
Ainda existem muitas lacunas no processo de solidificação de um ensino médio no Brasil, assim como na educação como um todo. E ao longo das décadas passadas, vários foram os caminhos percorridos e muitas políticas e legislações foram propostas e instituídas, porém ainda há uma crise de entendimento sobre o verdadeiro teor do ensino médio. Teria essa etapa da educação o papel de formar seus estudantes para o acesso ao ensino superior? Ou será que seria a formação cidadã voltada ao mundo do trabalho?
Essas dúvidas são colocadas ao longo do conjunto de reformas e modificações propostas pelos governantes durante o século passado, e ainda não conseguimos chegar a um denominador comum. Mas tudo isso só demonstra o quanto o ensino médio é um campo que mobiliza uma grande disputa ideológica entre correntes distintas e é dotado de um conjunto de complexidades que vão da sua concepção às suas finalidades. E todas as interpretações estabelecidas estão diretamente interligadas aos projetos de Estado e sociedade existentes no país, sobretudo dentro do contexto de luta de classe.
Nessa conjuntura, este artigo trás algumas considerações sobre as discussões e reformas propostas no ensino médio brasileiro a partir da década de 1930 até a atual reforma proposta em 2016, porém na intenção de debater sobre as ideologias e projetos que estão por trás desse conjunto de modificações propostas para essa etapa da educação básica, alertando também para um dos problemas mais centrais sobre esse assunto, que seria a necessidade de uma construção mais sólida sobre o conceito e finalidade do ensino médio brasileiro.
1. BREVES CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS SOBRE O ENSINO MÉDIO BRASILEIRO
O atual modelo de ensino médio brasileiro carrega consigo um conjunto de contradições e é orientado a partir princípios de dualidade que foram construídos historicamente dentro da própria escola. Uma divisão pautada “na divisão social do trabalho, que distribui os homens pelas funções intelectuais e manuais, segundo sua origem de classe, em escolas de currículos e conteúdos diferentes” (NASCIMENTO, 2007, p.78).
Ou seja, um ensino fortemente marcado pela exclusão, desigualdade social e elitismo. Predicados esses que são produtos dos diversos processos históricos que transformaram a sociedade brasileira, sobretudo nas mudanças econômicas, onde o histórico modelo agro-exportador, hegemonizado pela aristocracia rural, se adequava gradualmente aos moldes do capitalismo, orientado por uma emergente burguesia, sobretudo a partir do desenvolvimento industrial e crescimento da urbanização no Brasil.
Nesse contexto, para entendermos um pouco sobre as discussões sobre o ensino médio brasileiro, é preciso analisar, mesmo que brevemente, os processos de reformas instituídas pelo poder público ao longo do tempo, principalmente as que ocorreram no século passado, quando o país passou por transformações econômicas e sociais. Um período importante para o compreendermos esse assunto foi à década de 1930, onde foi construído um debate sobre os rumos da educação básica brasileira a partir do conflito ideológico dois projetos educacionais distintos, essas discussões envolviam,
[…] os grupos dos renovadores da educação, os “pioneiros”, na defesa da escola pública, laica, gratuita e obrigatória e os “conservadores” representados pelos educadores católicos, que defendiam a educação subordinada à doutrina religiosa (católica), diferenciada para cada sexo, o ensino particular, a responsabilidade da família quanto à educação, etc. (NASCIMENTO, 2007, p.80).
Nesse período, a história da educação brasileira seria marcada pela criação do Ministério da Educação e Saúde Pública, que ficou sob a responsabilidade de Francisco Campos, ministro esse que instituiu uma reforma educacional por meio do Decreto nº 19.890/31, organizando o “o ensino secundário em duas etapas: fundamental (5 anos) e complementar (2anos)” (NASCIMENTO, 2007, p.80).
“O ciclo fundamental dava a formação básica geral, e no ciclo complementar oferecia cursos propedêuticos articulados ao curso superior (pré-jurídico, pré-medico, pré-politécnico)” (NASCIMENTO, 2007, p.81). Surgindo um modelo de escola voltado apenas para poucas pessoas, uma vez que essa última etapa, por ser uma etapa obrigatória de preparação para o acesso ao ensino superior, apenas atendia uma pequena e elitizada parte da população. Porém, é válido pontuar que é nesse período, mais exatamente em 1934 que a Constituição Federal institui o ensino primário obrigatório, público e gratuito, bandeira essa tão defendida pelo movimento escolanovista.
Contudo, mais adiante, em 1937, com o advento da ditadura varguista, a divisão entre o ensino profissional, voltado para as camadas populares e o ensino propedêutico (que garantia o acesso ao ensino superior) utilizado principalmente pelos jovens ricos, ficava mais nítido a dualidade imposta ao modelo escolar brasileiro. Essa característica ficou ainda mais perceptível após a Reforma Capanema de 1942. Uma reforma de caráter,
[…] elitista e conservadora que consolidou o dualismo educacional, ao oficializar que o ensino secundário público era destinado às elites condutoras, e o ensino profissionalizante para as classes populares, conforme as justificativas do Ministro Capanema (NASCIMENTO, 2007, p.81).
E a partir do Decreto nº4.24/42, surgiu a Lei Orgânica do Ensino Secundário, que põe fim o ensino complementar e cria os cursos médios, com duração de três anos, tendo a finalidade de ser uma transição para o ensino superior. Caminho esse que não era ofertado no ensino profissional (normal, agro-técnico, comercial técnico e industrial). Ou seja, o cenário dessas reformas se estabelecia a partir de uma arena política, no qual, de um lado, havia os conservadores que entendiam que a promoção de uma educação pública não seria dever do Estado e do outro lado, setores mais progressistas que defendiam uma escola pública, laica, gratuita, obrigatória e de qualidade para toda população.
Já na década de 1960, com a publicação da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB — Lei 4024/61), foi criado ensino primário (4 anos) e o secundário (7 anos), esse por sua vez, abrangia o ginásio (4 anos) e o colegial (3 anos). “Para o ingresso no ensino secundário, ginásio, era necessário a aprovação em um exame de admissão” (QUEIROZ et al, 2009 p.3).
Uma década depois, com a segunda LDB — Lei 5692/71, criada no governo dos militares e quem trouxe algumas modificações na estrutura de ensino, pois com a nova legislação,
[…] o ginásio e o primário foram unificados, dando origem ao primeiro grau com oito anos de duração, e que antes era denominado colegial transformou-se em segundo grau ainda com três anos de duração (QUEIROZ et al, 2009 p.3).
Nesse período, o ensino médio ganhou um tom extremamente profissionalizante, nesse momento houve o entendimento que tal nível de ensino teria a finalidade de habilitar os estudantes para o mundo do trabalho. Medida essa que foi desastrosa e só serviu para “conter o aumento da demanda de vagas aos cursos superiores” (NASCIMENTO, 2007, p.83) e excluir ainda mais aqueles que teriam acesso à universidade e os que seriam apenas mão-de-obra para o mercado.
Um desses momentos pôde ser verificado em 1968 quando Roberto Campos, figura exponencial, tanto no campo econômico quanto de forte suporte ideológico à ditadura militar, defendia que o ensino secundário perdesse suas características humanísticas para ganhar, na visão dele, conteúdos mais práticos (LINS, 2006, p.8).
Com essa necessidade de profissionalização impostas pela legislação educacional ao ensino médio, as escolas por sua vez não são preparadas para atender essa demanda, devido a falta de recursos financeiros e materiais. Somente em 1972 que o Parecer n.º 45/72, “recoloco a dualidade da educação geral e da formação profissional” (NASCIMENTO, 2007, p.84).
Com a terceira Lei de Diretrizes e Bases da Educação, publicada em 1996 (Lei — 9394/96) o ensino médio novamente é reformado, obviamente que o contexto de solidificação do neoliberalismo no Brasil e nos demais países latinos, influenciou bastante essas mudanças, uma vez que, os investimentos nas áreas sociais passaram a ser secundarizados, uma vez que a cartilha neoliberal impunha um Estado cada vez menor e privatista.
A LDB em vigor, de 1996, restabeleceu a nomenclatura Ensino Médio e uma tentativa conciliadora e pragmática que, até aqui, não resultou na superação da dualidade, podendo tê-la acentuado se considerarmos, por exemplo, as diferenciações práticas entre o ensino médio ministrado no diurno e aquele disponibilizado no período noturno (LINS, 2006, p.15).
Contudo, o ensino médio, então a última etapa da educação básica, passou a ser obrigatório e oferecido gratuitamente pelas escolas públicas, sendo que a sua gestão ficou a cargo dos governos estaduais. Nesse período foi proposto,
[…] uma nova formulação curricular incluindo competência básicas, conteúdos e formas de tratamento dos conteúdos coerentes com os princípios pedagógicos de identidade, diversidade e autonomia, e também os princípios de interdisciplinaridade e contextualização, adotados como estruturadores do currículo do Ensino Médio (NASCIMENTO, 2007, p.85).
Todas essas mudanças ocorridas no final do século XX, onde o ensino médio passa a atender um número crescente de jovens, se deu, principalmente devido às novas necessidades impostas pelo mundo globalizado, sobretudo no mundo do trabalho, que agora não mais cobrava a presença de um trabalhador tecnicamente formado, mas com um nível intelectual e escolaridade maior.
De acordo com a LDB de 1996, em seu artigo 35, as finalidades do ensino médio são:
I — a consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no ensino fundamental, possibilitando o prosseguimento de estudos;
II — a preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando, para continuar aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com flexibilidade a novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores;
III — o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico;
IV — a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos, relacionando a teoria com a prática, no ensino de cada disciplina.
Além da crescente procura pelo ensino médio nas últimas décadas — devido também a ampliação ao acesso no ensino fundamental nos anos de 1980 e 1990 que gerou consequentemente a necessidade de dar continuidade aos estudos — outra questão que surge nessas últimas décadas sobre esse tema, se relaciona ao fato de não haver consenso sobre qual seria o objetivo dessa última etapa da educação básica: a transição para o ensino superior ou a preparação para o mundo do trabalho.
Segundo os números do IBGE/PNAD relacionado ao ano de 2014, o Brasil tinha mais nove milhões de estudantes matriculados no ensino médio (regular e EJA). Ou seja, um número relativamente significativo que freqüentam este nível de ensino, mas que sequer sabem o seu sentido. “Na verdade o ensino mé­dio nunca teve uma identidade muito clara, que não fosse o trampolim para a universidade ou a formação profissional” (KRAWCZYK, 2011 p.755). E isso já é um fator relevante para refletirmos sobre essa “crise de identificação”, que somando a outros fatores, contribuem para a crescente evasão escolar por parte dos estudantes e a diminuição do número de matrículas.
Contudo, independente do seu objetivo e de sua identidade, o ensino médio brasileiro sempre será um campo fecundo para a implantação de projetos e concepções de Estado e sociedade pelas classes dirigentes que disputam pela hegemonia do poder político, uma vez que, por envolver diretamente uma grande parcela das jovens gerações e indiretamente suas famílias “a escola média é um campo estratégico de luta onde as camadas populares têm construído seu direito à educação” (ZIBAS, 2005, p. 1067 apud REZENDE et al, 2012 p123).
A oferta de vagas crescente, por mais precária que sejam as escolas e os sistemas educacionais, oferecem ainda sim, uma perspectiva para milhões de brasileiros, que almejam tanto entrar e permanecer no ensino superior, quanto uma vaga no mundo do trabalho.
De fato, não há como contestar que nossa população vem ampliando seu nível de escolarização,
[…] o Brasil está agora diante de uma geração de jovens de baixa renda, mais escolarizada que seus pais, mas com muitas dificuldades para encontrar sentido na vida escolar, para pensar no mundo do trabalho a partir da escola e para conseguir trabalho (KRAWCZYK, 2011 p.756).
Entretanto, devido às várias reformas ocorridas, o ensino médio brasileiro atualmente sofre com o conjunto de contradições e problemas que foram se acumulando sem a devida resolução. Hoje, costuma-se dizer que o ensino médio tem a difícil missão de preparar os estudantes para a vida, porém ainda há uma vacância no que diz respeito ao real e verdadeiro projeto político e educacional para esse nível de escolaridade. Dessa maneira, é perceptível que reformular suas metodologias, princípios e objetivos é, de certa maneira “fácil”, o difícil e desafiador é proporcionar aos milhões de alunos e alunas uma formação integral, que supere a dualidade e as diversas formas de desigualdades presentes no contexto escolar brasileiro.
Nessa conjuntura, depois dessa breve discussão sobre as reformas instituídas na escola e no ensino médio brasileiro, é interessante também ampliarmos o debate a fim de compreendermos um pouco sobre o que se passa, efetivamente por trás das reformas que são instituídas nessa etapa da educação básica.
2. REFORMAR O ENSINO MÉDIO: O QUE SE PASSA POR DENTRO DESSE DEBATE?
Como ficou perceptível toda e qualquer reforma instituída ao longo do século passado não conseguiu superar as complexidades existentes no ensino médio, e, diga-se de passagem, que essas se agravaram até então, mesmo sendo concebida atualmente como uma etapa que deva ser universalizada e garantida pelo Estado. Ou seja, suas “contradições e dualidades que permanecem na atualidade” (LINS, 2006, p.3). Também não é difícil perceber que em todos esses casos que os princípios que nortearam os debates sobre as mudanças dentro de tal etapa da educação, consideravam fortemente o processo de desenvolvimento do capitalismo no Brasil, fator esse que determinou e ainda determina efetivamente os objetivos e parâmetros do nosso sistema educacional.
Diante disso, assim como toda escola, o ensino médio carrega consigo diversas contradições e mazelas complexas, não apenas a questão do acesso, mas também aspectos relacionados às oportunidades ofertadas às diferentes classes e grupos sociais — principalmente nas diferenças entre as escolas públicas e as particulares — ou até mesmo as diferenças existentes nos períodos noturnos dos demais horários. Assim, debater o ensino médio não é algo simples, pelo contrário, necessita de maiores abrangências, qualitativas e quantitativas.
Registre-se ainda que, por um longo tempo, não houve um currículo efetivamente sistematizado. As decisões eram consideradas pelos parâmetros pressupostos para o ensino superior que determinavam o leque e o enfoque das disciplinas do ensino secundário, obrigando-o a se tornar cada vez mais propedêutico, ou seja, destinado a preparar os jovens para a faculdade (LINS, 2006, p.8).
Essas questões não podemos deixar nunca de esquecer, ou seja, que o ensino médio brasileiro carece de uma identidade e que “sempre esteve pautado em bases históricas elitistas” (QUEIROZ et al, 2009 p.1), uma etapa da educação que “nasce como um lugar para poucos, cujo principal objetivo é preparar a elite local para os exames de ingresso aos cursos superiores” (MOEHLECKE, 2012, p. 40), e do outro lado, para a população mais pobres, um ensino mais profissionalizante.
Essa dicotomia entre o propedêutico e o profissionalizante diz muita coisa, uma vez que,
[…] preparar alguns para o ensino superior e outros para o mundo do trabalho sempre foi uma contradição, evidenciando, na verdade a disputa de classes, que em diversos momentos se expressou até mesmo em estranhas diferenciações curriculares (LINS, 2006, p.9).
Nessa conjuntura, um dos maiores desafios que atualmente é preciso avançar dentro do contexto do ensino médio é o de rompimento dessa dualidade, e atribuir a tal etapa da educação “uma identidade associada à formação básica que deve ser garantida a toda a população” (MOEHLECKE, 2012, p. 40).
Contudo, essa questão não poderá se efetivar se não aceitarmos que toda e qualquer proposta de reformulação das diretrizes educacionais e escolares no Brasil passa diretamente pelas convergências e divergências, articulações e disputa de projetos e concepções de Estado, política e sociedade. Deságua em nossa escola, todas as contradições da luta de classe — queiram ou não queiram os defensores da “Lei da Mordaça[1]”.
As concepções e as políticas neoliberais se interessam por nossa escola, a história já nos mostrou isso, principalmente na década final do século passado, quando Fernando Henrique Cardoso era o presidente da República e Paulo Renato de Souza era ministro da educação. Ora, será que todos os cortes orçamentários que aconteceram nos investimentos sociais e na educação, a concepção de Estado mínimo e a ideia de que era preciso reformular nosso modelo de ensino para que atendesse melhor as necessidades existentes nas relações entre capital e trabalho, dentro da lógica da produtividade, claro e que por sua vez, cumprisse as metas impostas por organizações como Banco Mundial ou Organização Mundial do Comercio não diz respeito a visões estabelecidas por projetos de poder?
Por outro lado, quando defendemos que é preciso construir um modelo de escola que seja “pública, democrática e laica, de qualidade socialmente referenciada” (GASCO, 2016 p.95), que rompa com os valores de uma educação “bancária” e que respeite as cores e a diversidade existente no Brasil, tudo isso, também reflete outro projeto distinto de sociedade e Estado. Ignorar isso, é de fato, não querer superar a dicotomia que, desde do início desse artigo, estamos tratando, ou seja, uma escola para rico e outra para pobres. É não tomar lado. É contentar-se com reformas graduais ou com apenas mudanças parciais, e isso para o filósofo húngaro, István Meszárus, nada mais é que ser autoderrotista (2008).
Na égide do mundo capitalista, todas as mudanças ocorridas na educação (e o debate sobre o ensino médio não foge disso), “tem em seu bojo a reestruturação do Estado e a constituição de novos modos de acumulação do capital (REZENDE et al, 2012 p122). Por isso que , “parafraseando a epígrafe de José Martí, podemos dizer que, as soluções não podem ser apenas formais, elas devem ser essenciais (MESZÁRUS, 2008, p 35). Se não enfrentar, romper e superar às causas das contradições e mazelas presentes no contexto escolar, essas respostas serão resumidas meras intenções ou retóricas pontuais, não vão contribuir para transformar a sociedade.
3. REFORMA NO ENSINO MÉDIO DE 2016: UMA ESCOLA PARA RICOS E OUTRA PARA POBRES
Considerando todos os caminhos e descaminhos percorridos pela escola brasileira, um outro aspecto que merece ser pontuado e criticado nesse artigo corresponde a mais recente reforma promovida pelo ministro da educação, Mendonça Filho, que por meio de uma Medida Provisória, e de maneira autoritária e unilateral, impôs mais uma reforma educacional, modificando as diretrizes curriculares, ampliando a carga horária e precarizando a atividade docente no ensino médio.
Os caminhos que levaram a construção dessa reforma no ensino médio são diretamente contextualizado a atual quadra política que o país e seu povo vem passando, sobretudo após a movimentação e o golpe parlamentar efetivado contra a democracia brasileira, que afastou sem provas e por meio de um julgamento midiático e político, protagonizado pelos setores mais conservadores e elitista do país, a presidenta eleita democraticamente, Dilma Rousseff do Partido dos Trabalhadores (PT) entregando a chefia do poder Executivo Federal ao vice-presidente, Michel Temer (PMDB). Tudo isso culminou em uma série de medidas impopulares e prejudiciais aos interesses e a soberania popular da nação. No âmbito educacional, todas as discussões construídas a partir das Conferências e todas as metas do Plano Nacional de Educação foram preteridas pelo presidente e sua equipe que compõe o Ministério da Educação, assim como todos os demais debates e consultas públicas feitas com as entidades estudantis e sindicais, universidades, movimentos sociais, gestores públicos ao longo dos últimos anos.
Ou seja, o ensino médio brasileiro foi reformado a partir de simples “canetadas”, desconsiderando todos os processos de construção coletiva e democrática, mostrando assim como serão os princípios e métodos que nortearão a educação pública no Brasil.
Um dos pontos mais cruciais dentro do conteúdo dessa reforma corresponde ao conjunto de modificações feitas na matriz curricular das escolas, possibilitando a retirada de alguns componentes, como filosofia, sociologia, artes e educação física, priorizando, praticamente o estudo da língua portuguesa, da matemática, do conhecimento do mundo físico e natural e da realidade social e política, especialmente da República Federativa do Brasil. Dessa forma, ela retira das escolas de nível médio as discussões sobre filosofia e sociologia, e também, ao frisar que as discussões sobre o quadro político e social sejam voltadas especialmente acerca dos tempos republicanos, faz com que, por exemplo, eliminemos das discussões ou do próprio material didático, questões relacionadas aos séculos de escravidão instituído no país e que até hoje nos trás consequências sérias.
Uma reforma que reafirma o caráter tecnicista, de valores bancários, acrítico que não trata das reais complexidades herdadas historicamente pelo ensino médio brasileiro. Pelo contrário, só condiciona ainda mais a educação a uma linha determinista acentuando as diferença entre a escola do rico e a do pobre.
Sobre a dicotomia entre o propedêutico e o profissionalizante, a Medida Provisória deu o entendimento que essa escolha será feita pelo aluno ou aluna, pois, após estudar nos primeiros três semestres do ensino médio todas as disciplinas, a partir de uma Base Nacional Comum Curricular, baseado em cinco áreas: linguagens; matemática; ciências da natureza; ciências humanas; e formação técnica e profissional. Nos outras três semestralidades, cabe ao estudante a escolha entre, ou se aprofundar em uma das áreas do conhecimento ou se especializar para o mundo do trabalho, no entanto, a oferta das possibilidades ficará a cargo do sistema estadual de ensino. Ou seja, se o estudante optar em se aprofundar no campo das ciências da natureza, mas a rede estadual ter avaliado que essa área não seria prioridade, e sim apenas o ensino profissional, as linguagens e a matemática, a escolha feita pelo educando não será oportunizada.
Por trás dessas intenções a todo um jogo de interesses e concepções sobre educação, uma vez que, não será surpresa para ninguém, se as redes estaduais focarem seus esforços para instituir uma escola pública que priorize aos estudantes apenas as competências que os tornem cidadãos que com capacidade de somente ler, escrever e contar (linguagem e matemática), somado a uma parca formação profissional. Já que são os requisitos mínimos do mundo do trabalho (setor empresarial) para recrutar mão-de-obra barata. E quem seriam esses? Os estudantes das escolas públicas, certamente.
E quanto ao ensino propedêutico e o acesso à universidade? Esse com absoluta certeza ficará a cargo das escolas particulares, que vão reforçar as suas metodologias de ensino em cima de todas as áreas de conhecimento, ofertando todas as disciplinas aos seus alunos e possibilitando a eles a vantagem no acesso às universidades publicas brasileiras. Com a reforma no ensino médio, o setor privado da educação será ainda mais lucrativo e a educação será tratada mais do que nunca como mercadoria.
Segundo o professor de filosofia, Jalu Maranhão, que leciona da rede pública estadual de Pernambuco, em um desabafo feito na sua página pessoal no Facebook:
A arte ensina a gente a sentir e a imaginar; a filosofia ensina a pensar; a sociologia mostra as relações de poder na sociedade; a educação física ensina a se movimentar… É tudo o que eles não querem: um cidadão que sente, sonha, pensa, critica e se movimenta[2] (2016).
Já o professor Harim Britto[3], que trabalha em escolas particulares da Região Metropolitana do Recife, avalia que a atual reforma no ensino médio,
[…] apenas reforça aquele estigma da escola como um espaço pseudo-asséptico e de ausência crítica e estética, em favor de uma formação estritamente técnica (2016).
[…] Uma visão pragmática, realista e imediatista, em nome de uma empregabilidade que não se pretende ir além disso. Fica difícil falar em dignidade e liberdade de escolha quando as condições para a escolha (liberdade e discernimento) são de antemão, comprometidas e já pré-determinadas (2016).
Outro ponto crucial que a reforma no ensino médio apresenta se relaciona a questão da formação do professor, considerando profissional da educação da escola básica também os profissionais de “notório saber”, que poderão ministrar aulas no ensino médio, mesmo não tendo formação em licenciatura ou pedagogia. Um ato contraditório com o que expressa o Plano Nacional de Educação e com o que foi construído na última Conferência Nacional de Educação acerca da valorização do magistério no país.
De acordo com o professor de sociologia, Marcelo Galdino que ensina em escola pública no estado de Pernambuco, também pela sua página pessoal no Facebook, fez as seguintes considerações sobre as mudanças do ensino médio[4]:
Se a forma da reforma é bisonha, o conteúdo também o é:
1. De acordo com o documento pra ser professor não será mais preciso ter diploma, formação. Isso praticamente acaba com a profissão.
2. A educação física é retirada, isso um mês depois das Olimpíadas. Mas, a prática de atividades esportivas orientadas continuará existindo para a elite, que pode pagar.
3. A sociologia, a filosofia, a arte retiradas, pois crítica social, sensibilidade e reflexão sobre o mundo não servem ao mercado. Na cabeça desse ministro, com partido, elas só atrapalham, são sem utilidade.
4. O estudante poderá ter uma formação de Ensino Médio só técnica, voltada à empregabilidade, claro que direcionada para as camadas populares, que tem uma pressão social maior para entrar no mercado de trabalho. Aos que não tem essa pressão o caminho será a universidade. Uma reedição idêntica a reforma educacional da ditadura (2016).
A ideia de reforma no ensino médio aconteceu desprovida de uma ampla discussão com a sociedade brasileira e mostra o quanto está alicerçada sobre valores e concepções que só reforçam as desigualdades sociais, diminui o peso do Estado e contribui para a solidificação de um modelo de ensino acrítico, antidemocrático e tecnicista. Dessa maneira, a crítica deve ser feita e considerada, uma vez que, modificar a escola brasileira não é fácil, pois em qualquer uma de suas etapas, vamos nos confrontar com uma gama de contradições e complexidades oriundas dos processos históricos de formação de nossa sociedade. Uma reforma não se constitui ou se encerra por ela mesma, ela deve ser discutida e ampliada a todos e todas e envolve múltiplos enfoques, como currículo, estrutura física das escolas, número de estudantes por sala de aula, sistemas de avaliação etc. Pois de acordo com Rezende, Isobe e Dantas (2012):
A democratização do Ensino Médio, no entanto, não se encerra na ampliação de vagas. Ela exige espaços físicos adequados, bibliotecas, laboratórios, equipamentos, e, principalmente, professores concursados e capacitados. Sem essas precondições, discutir um novo modelo, pura e simplesmente, não resolve a questão.
A formulação de políticas públicas em educação, tendo como pressuposto uma certa autonomia da escola, sem considerar a prática cotidiana dos agentes que, de fato, fazem educação, e o imbricado jogo de interesses existente no seu interior acaba por camuflar os reais problemas da escola (REZENDE et al, 2012 p 123).
E diante de tal conjuntura a crítica e as reflexões sempre serão elementos louváveis para que possamos entender os contextos que circundam o nosso modelo de escola e consequentemente o próprio ensino médio brasileiro. Contudo, mesmo diante de tantos reformismos, mudanças na legislação e construção de políticas públicas educacionais, as mudanças propostas em 2016, assim como todas as anteriores só refletem um aspecto: os projetos de sociedades a qual estes caminhos estão interligados, e infelizmente, em nenhum momento se propõem a superar o maior desafio posto para esse tema, a busca por uma real identidade e finalidade para esta última etapa da educação básica no país.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
E diante de todas as discussões expostas, podemos perceber o quanto o debate sobre o ensino médio é amplo e dialoga diretamente com os processos políticos e educacionais ocorridos ao longo das últimas décadas. Contudo não há como deixar de considerar que, visto todos os interesses e concepções políticas que pairam também sobre a questão educacional, temos ainda a escola como um elemento chave para a promoção e emergência dos novos ciclos sociais, históricos e de desenvolvimento de um país.
Esses ciclos, por sua vez, têm nos sistemas educacionais como um pilar importante para a formação das massas, dos valores sociais e de uma sociedade de conhecimento. Dessa maneira, toda e qualquer reforma educacional, não deixa de ser uma questão política e de entendimento sobre o modelo de Estado brasileiro, elas são, antes de qualquer coisa, pautada pelas suas ideologias.
Dessa maneira, fazer a crítica a um sistema educacional pautado por valores elitistas, excludentes e tecnicistas é reafirmar a defesa por um projeto que perceba a educação como um direito social e não como uma mercadoria. É lutar pela construção de um modelo de escola “pública, democrática e laica, de qualidade socialmente referenciada” (GASCO, 2016, p. 95), que seja formada por profissionais valorizados e com uma matriz curricular que atenda aos anseios científicos, mas que também valorize e dialogue com a diversidade e o conhecimento popular.
Para que assim, possamos construir uma escola crítica, humanística, que forme profissionais e cidadãos ativos para o mundo do trabalho e que, principalmente, supere a concepção de que a escola seja apenas um “depósito de estudantes” e formadora de cidadãos passivos (eleitores), a fim de que sirvam apenas como sustentáculos ao sistema e aos privilégios de uma sociedade burguesa, desigual, exploradora e elitista.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRITTO, Harim. Sobre a reforma no ensino médio. Medium. 2016. Disponível em: <https://medium.com/com-licenca/o-retorno-do-mobral-c1847fe2a2a6#.82hh7z39n>. Acesso em: 22 set. 2016.
GUASCO PEIXOTO, Madalena (org). O capital global na educação brasileira. São Paulo: Anita Garibaldi, 2016.
KRAWCZYK, Nora. Reflexão sobre alguns desafios do Ensino Médio no Brasil Hoje. Cadernos de Pesquisa, Fundação Carlos Chagas, São Paulo, v. 41, p. 754–771, 2011. Disponível em: <www.scielo.br/pdf/cp/v41n144/v41n144a06.pdf> Acesso em: 22 set. 2016.LINS, E. C. ;
JACOMELI, M. R. M. . Ensino Médio: a dualidade histórica e a legislação educacional brasileira do século XX. In: SEMINÁRIO NACIONAL DO HISTEBR — 20 ANOS,7., 2006, Campinas. Anais… São Paulo: UNICAMP, 2006. p. 1–15. Disponível em: <www.histedbr.fe.unicamp.br/acer_histedbr/…/E/Edison%20Cardoso%20Lins.pdf >. Acesso em: 22 set. 2016.
MÉSZÁROS, István. A educação para além do capital. 2 ed. São Paulo: Boitempo, 2008.
MOEHLECKE, Sabrina. O ensino médio e as novas diretrizes curriculares nacionais: entre recorrências e novas inquietações. Rev. Bras. Educ., Rio de Janeiro , v. 17, n. 49, p. 39–58, 2012 . Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?scr…>. Acesso em: 22 set. 2016.
NASCIMENTO, Manoel Nelito M. Ensino médio no Brasil: determinações históricas. Publ. UEPG Ci. Hum., Ci. Soc. Apl., Ling., Letras e Artes, Ponta Grossa, jun. 2007. Disponível em: <www.revistas2.uepg.br/index.php/sociais/article/download/2812/2097>. Acesso em: 22 set. 2016.
QUEIROZ, Cintia Marques, el al. Evolução do ensino médio no Brasil. In: SIMPÓSIO INTERNACIONAL: ESTADO E AS POLÍTICAS EDUCACIONAIS NO TEMPO PRESENTE, 5., 2009, Uberlândia. Anais… Minas Gerais: UFU, 2009. p. 1–15. Disponível em: <www.simposioestadopoliticas.ufu.br/imagens/anais/pdf/EP07.pdf>. Acesso em: 22 set. 2016.
REZENDE, V. M.; ISOBE, R. M. R ; DANTAS, F. B. A.. Reflexões sobre a questão da qualidade no ensino médio. Ensino em Re-vista, UFU, Minas Gerais, v. 19, p. 119–130, 2012. Disponível em: <http://www.seer.ufu.br/index.php/em…> Acesso em: 22 set. 2016.
NOTAS
[1] Corresponde a projetos de leis que tramitam a nível federal e em alguns estados e municípios brasileiros, encabeçados principalmente pelo movimento Escola Sem Partido e que representam um ataque ao direito à liberdade na docência e a construção de um modelo educacional plural, crítico e democrático por entender que a escola não deva ser lugar para a discussão sobre questões relacionadas à política, diversidade cultural, identidade de gênero, religião, raça etc. Seria assim uma forma de impedir que os professores realizem seu trabalho.
[2] Relato extraído do perfil do professor Fabio Carneiro Jalu no Facebook, disponível em: https://www.facebook.com/jalumaranhao?fref=ts
[3] Relatos que foram retirados do artigo, Sobre a reforma do Ensino Médio, publicado na plataforma Medium, disponível em: https://medium.com/com-licenca/o-retorno-do-mobral-c1847fe2a2a6#.82hh7z39n
[4] Relatos extraídos do perfil do professor Marcelo Galdino no Facebook, disponível em: https://www.facebook.com/marcelo.galdino.7?fref=ts
*Wallace Melo é diretor do Sinpro Pernambuco
FONTE:   http://contee.org.br/contee/index.php/2016/09/as-reformas-do-ensino-medio-consideracoes-historicas-educacionais-e-politicas/

quarta-feira, 2 de novembro de 2016

PEC 241: TETO PARA INVESTIMENTOS SOCIAIS ESSENCIAIS E GARANTIA DE RECURSO PARA ESQUEMA FRAUDULENTO QUE O PLS 204/2016 O PLP 181/2015 E PL 3337/2015 VISAM “LEGALIZAR”

Maria Lucia Fattorelli
Carmen Bressane
Gisela Collares
Rodrigo Ávila

A propaganda é extremamente sedutora: vender algo “podre” para alguém que ainda se dispõe a pagar 40% ou até mais por isso. Excelente negócio!
Essa poderosa propaganda é a que vem sendo usada para apresentar um escandaloso esquema de transferência de recursos públicos para o setor financeiro privado.
Trata-se do anúncio da “venda”, “cessão”, “securitização” ou “novação” de créditos devidos à União, Estados ou Municípios, inscritos ou não em Dívida Ativa.
Na realidade, tais créditos, dos quais a Dívida Ativa é o mais representativo em volume, não saem do lugar. O que está sendo vendido é um papel novo, emitido por “empresa estatal não dependente”, que é uma pessoa jurídica de direito privado. As debêntures são vendidas a investidores privilegiados com desconto de até 60% e juros de mais de 20% sobre o valor de face. A Dívida Ativa só serve de parâmetro para indicar o tamanho da garantia dada pelo ente federado para essa empresa.
A PEC 241/2016, conhecida como a PEC do teto, garante recursos para “empresas estatais não dependentes”, enquanto ficarão congelados por até vinte anos o conjunto de gastos e investimentos primários em saúde, educação, segurança, assistência…
Bom negócio para quem?
A Dívida Ativa (volume de tributos e outros créditos devidos à União, Estados e Municípios) corresponde, em sua maioria, a créditos incobráveis, pois são devidos por contribuintes que não têm como pagar seus débitos, tais como empresas falidas, não encontradas, ou que nunca existiram de fato. Devido a essas circunstancias, a maior parte da Dívida Ativa é considerada podre, isto é, não possui a menor chance de ser arrecadada.
Em todos os entes federados, a atribuição legal para cobrar a Dívida Ativa pertence a órgãos públicos competentes. No âmbito da União, é a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) que cobra a Dívida Ativa. Alguns estados e municípios possuem Procuradorias para realizar essa tarefa; em outros a própria secretaria fazendária cuida da cobrança. Na prática, os órgãos competentes têm conseguido arrecadar somente uma pequena parte da Dívida Ativa, que não é podre, ou seja, a parte correspondente a contribuintes que tiveram seus débitos inscritos em Dívida Ativa apenas devido a uma perda de prazo ou à necessidade de parcelamento, mas que buscam regularizar sua situação.
Dessa forma, todos os entes federados mantêm um estoque de Dívida Ativa que sabidamente não será arrecadada, até porque faltam investimentos para que a administração tributária consiga realizar sua competência.
O negócio que está sendo anunciado por grandes meios de comunicação é uma solução mágica: os entes federados conseguiriam vender essa Dívida Ativa podre para alguém que pagaria até 40% de seu valor. De fato, isso seria estupendo. Porém, isso é uma ilusão. A Dívida Ativa não é vendida ou cedida e não sai do lugar. Os créditos não têm sua natureza ou condições de pagamento modificadas e continuarão sendo cobrados pelos respectivos órgãos competentes.
Na realidade, o que está sendo vendido para investidor privado privilegiado é um papel novo (debênture) emitido por empresa estatal não dependente, com desconto (deságio) que pode alcançar até 60% e pagando juros estratosféricos de cerca de 20% ou mais ao ano sobre o valor de face. O ganho proporcionado ao investidor privilegiado é imenso, pois ele ainda poderá parcelar o pagamento em alguns anos.
A Dívida Ativa e demais créditos servem apenas de parâmetro para indicar o tamanho da garantia dada pelo ente federado para essa empresa. Tal garantia geralmente é formalizada por outro papel financeiro (debênture subordinada), também emitido pela empresa estatal não dependente e entregue ao ente federado, que assim se obriga a assumir os riscos da operação. Dados da Secretaria de Fazenda de São Paulo atestam que as debêntures subordinadas servem para documentar as garantias concedidas pelo Estado.
Devido às condições financeiras abusivas desse esquema, essa garantia irá crescer exponencialmente, como aconteceu na Europa, onde esquema semelhante foi descoberto durante os trabalhos de auditoria da dívida na Grécia.
E já temos uma indicação de onde virão os recursos para cobrir o rombo provocado por esse esquema: a PEC 241/2016, que congela por até vinte anos todos os gastos e investimentos primários, garante recursos públicos para aumento de capital de “empresas estatais não dependentes”.
Não há dúvida de que estamos diante de um excelente negócio somente para quem compra esses papéis com desconto brutal e escandalosa remuneração.
Esse negócio é legal?
Esse negócio já foi implementado em alguns estados e municípios. Entrou no país por meio de consultorias especializadas que contam com técnicos que possuem pedigree do FMI, a exemplo da ABBA Consultoria e Treinamento, cujo consultor responsável – Edson Ronaldo Nascimento – tem ocupado posições relevantes, diretamente vinculadas à implantação de sua consultoria, tais como: Presidente da PBH Ativos S/A; Superintendente Executivo da Secretaria de Fazenda do Estado de Goiás; Secretário de Fazenda do Estado de Tocantins. Por sua vez, o ex-secretário de Fazenda dos Estados do Rio de Janeiro e de São Paulo – Renato Vilela – é um dos sócios da empresa CPSEC, a estatal não dependente do Estado de São Paulo.
Alguns gestores públicos provocaram o Tribunal de Contas da União para que se manifestasse sobre o tema, conforme processo TC 016.585/2009-0, do qual consta manifestação do Ministério Público de Contas no sentido da ilegalidade dessa operação, conforme trechos transcritos a seguir:
“Trata-se, portanto, de desenho que apresenta em sua essência a mesma estrutura adotada pelos entes que optaram por criar uma empresa pública emissora de debêntures lastreadas em créditos tributários, por meio da qual o ente federado obtém do mercado uma antecipação de receitas que serão auferidas somente no futuro e que, quando o forem, serão destinadas ao pagamento dos credores, numa nítida e clara, ao ver do Ministério Público de Contas, operação de crédito, conforme o conceito amplo adotado no artigo 29, III, da LRF.”
– “Arrumaram um subterfúgio ilegal com aparência legal para antecipação de receita e burlar a LRF – que pressupõe a ação planejada e transparente, em que se previnem riscos e corrigem desvios capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas, e regras para antecipação de receitas.”
– “Esse mecanismo compromete as gestões futuras e prejudica a sustentabilidade fiscal do Município – as receitas parceladas em Dívida Ativa ou espontaneamente entrariam também no futuro ( em outras gestões).”
Não há dúvida de que esse negócio de emissão de debêntures por “empresa estatal não dependente”, com garantia pública, mascarado de “cessão” ou “novação” de créditos podres corresponde a uma operação ilegal.
Na tentativa de “legalizar” esse esquema financeiro, foi apresentado, no Senado, o PLS 204/2016. Conforme consta de sua justificação, tal projeto de lei visa dar “segurança jurídica” às operações de cessão de direitos creditórios que já estão sendo realizadas em alguns estados e municípios. Projetos semelhantes tramitam na Câmara dos Deputados: PLP 181/2015 e PL 3337/2015.
Todos os referidos projetos PLS 204/2016, PLP 181/2015 e PL 3337/2015 mencionam expressamente que a “cessão” ou “novação” de créditos se dará em favor de “pessoa jurídica de direito privado”, que vem a ser a própria “empresa estatal não dependente”. Tal empresa é regida pelo direito privado por possuir sócios privados, mas é uma empresa estatal controlada pelo ente federado.
De fato, empresas estatais não dependentes já estão funcionando em diversas localidades, como por exemplo: PBH Ativos S/A em Belo Horizonte; CPSEC no Estado de São Paulo; SPSEC no município de São Paulo; PRSEC no Paraná; Recda em Recife, entre outras. Além da emissão de debêntures, tais empresas realizam outras operações com ativos públicos e patrimônio a ela doados ou “cedidos”.
Cabe ressaltar a enorme contradição relacionada à criação de empresas estatais não dependentes justamente quando se privatizam as empresas estatais estratégicas e lucrativas ainda restantes. Ademais, a emissão de debêntures nessas condições financeiras abusivas, sob a ilusão de “ceder” direitos de créditos, não constitui papel do Estado. As demais funções de administração de ativos públicos indicadas nas páginas web das referidas empresas são funções que a própria administração direta já executa, o que denota que o objetivo central dessas empresas estatais tem sido a emissão de debêntures.
Evidentemente, essas operações com debêntures gerarão prejuízo incalculável às empresas estatais não dependentes que vem sendo criadas para essa finalidade. Devido ao enorme desconto na venda das debêntures, aos juros abusivos e demais custos financeiros e administrativos, o valor arrecadado com essa venda é consumido em poucos meses e enorme dívida pública será gerada para o ente federado, sem contrapartida alguma.
Conclusão
Essa engenharia financeira baseada na ilusão de venda de ativos podres consumirá incalculáveis volumes de recursos públicos e gerará elevado ônus financeiro, podendo ser considerada um crime de lesa pátria.
Configura transferência brutal de recursos públicos para o setor financeiro privado por meio da geração de dívida pública sem contrapartida alguma.
É um desenho sofisticado para burlar a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e endividar sem limite os entes federados, que posteriormente ficarão obrigados a sacrificar ainda mais os investimentos sociais para viabilizar o pagamento das dívidas geradas por esse esquema.
A sociedade, que ao final paga essa conta, exige transparência e apuração das operações que estão por trás dessa ilusória propaganda de “cessão” ou “novação” de créditos que na verdade não saem do lugar…
Como é possível supor que o Congresso legalize esse escandaloso esquema por meio do PLS 204/2016, que tramita no Senado, e projetos semelhantes – PLP 181/2015 e PL 3337/2015 – que tramitam na Câmara, considerando os imensuráveis prejuízos que tal esquema causará aos entes federados, e, ainda por cima, garanta recursos públicos para as empresas estatais não dependentes que operam tal esquema na PEC 241/2016, com o sacrifício das áreas sociais?
Com a palavra os órgãos de controle e os parlamentares.
Publicado no dia 20/09/2016
Fonte: http://www.auditoriacidada.org.br/blog/2016/09/20/pec-241-teto-para-investimentos-sociais-essenciais-e-garantia-de-recurso-para-esquema-fraudulento-que-o-pls-2042016-o-plp-1812015-e-pl-33372015-visam-legalizar/